20 outubro, 2006

Breve Comentário sobre as coisas que se podem colocar em dúvida na perspectiva de Descartes

Num invólucro racional, lógico e mentalístico dubitável, ao passo que concomitantemente antagônico à mente humana em face aos princípios fundamentais da ciência, Descartes busca em sua primeira meditação desconstruir antigas idéias estabelecidas com base no senso comum e subjetivo. Senso este adquirido segundo ele, a partir de falsas opiniões como se fossem verdadeiras. Estas precisam ser demolidas e reconstruídas com base em uma premissa sólida e bem fundamentada.
Podemos em uma breve inferência, meditar naquilo que poderíamos raciocinar como idéias que herdamos de conceitos superficiais e inconstantes ao longo do tempo de nossas vidas através de opiniões mal elaboradas que nos conduzem a agirmos equivocadamente em torno de uma suposta verdade. Seria isto na concepção cartesiana o nosso “gênio maligno”?
Descartes desenvolve alguns princípios argumentativos em torno das coisas que se podem colocar em dúvida. Nesse campo elocubrativo a dúvida é posta em prática. Ou seja, o surgimento da menor partícula de dúvida poderá comprometer toda a estrutura de valores atribuídos a uma determinada idéia. Para não incorrer na infinita tarefa de examinar particularmente uma a uma, Descartes concentra seu foco no cerne da sua estrutura de pensamento. Ele a configura mentalmente como o alicerce de um edifício. Nestas “ruínas dos alicerces” todas as suas antigas opiniões estavam apoiadas. Uma “pedra de dúvida” deste alicerce mental poderá comprometer toda a sua infra-estrutura. Portanto será prudente “nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez”,
Conseguintemente, como que num refinamento de idéias, Descartes nos leva a uma dúvida mais profunda do que representa de fato os nossos sentidos. Eles parecem apenas reproduzir de modo abstrato assim como num sonho à semelhança de algo real e verdadeiro. Na realidade, os nossos corpos e membros como mãos e pés, são verdadeiros e existentes. Porém nossos pensamentos vagueiam por sentidos transitórios num universo de coisas reais e ao mesmo tempo irreais à medida que o projetamos em nossa psiquê. Com base nisto poderíamos fazer uma pergunta: Estaríamos assim de forma cartesiana diante “do Deus enganador”?
Deste modo, as ciências dependentes da consideração das coisas compostas são muito duvidosas e incertas. No entanto, segundo Descartes, “as ciências que tratam de coisas muito simples e muito gerais, sem cuidarem muito se elas existem ou não na natureza, contêm alguma coisa de certo e indubitável”. Um exemplo disso é a Aritmética e a Geometria.
Entretanto, Descartes a despeito de tudo isto tem em seu espírito certa opinião de que há um Deus que tudo pode. Com um critério metodológico, ele nos remete a onipotência de Deus, o qual tem todo o poder a ponto de confundir o homem em suas faculdades elucubrativas. E tem toda liberdade para tal. Isto parece uma atribuição de um certo grau de malignidade em Deus. Mas afinal, quem somos nós para questionarmos um Deus soberanamente bom? Ainda que duvidássemos de sua bondade, não poderíamos duvidar acima do que Ele nos permita. Pois sendo um Deus Soberano, está muito além de nossas convenções lógicas e factíveis a respeito do que é bom e do que é mal.
Assim sendo, Descartes nesta primeira meditação nos mostra as razões apresentadas em função das ciências, que nos leva a uma episteme; que por um processo cognitivo nos leva a uma lógica apoiada nos nossos sentidos. Contudo, estas coisas são todas dubitáveis. Não obstante a inexorável grandeza de Deus como soberana fonte da verdade, podemos parafrasear nas palavras de Descartes: “Pensaremos que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que Deus se serve para surpreender a nossa credulidade”.

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