14 janeiro, 2006

O DESAFIO DE UMA TEOLOGIA LATINO AMERICANA


Desafios da Teologia Latino-americana para nossos dias
Paletra na Semana Teológica do Seminário Teológico Antonio Godoy Sobrinho(IPI do Brasil – Londrina)
A Teologia da Libertação (TdL) é parte integrante de minha formação teológica. Fui muito enriquecido quando fazia o curso de graduação em teologia, sobretudo pela hermenêutica da suspeita e a interpretação bíblica na ótica dos pobres, dos oprimidos e dos que ficaram à margem da sociedade, tal como Jesus. Tive a oportunidade de lecionar Teologia Latino-americana em alguns seminários, mas quando comecei minha carreira docente, a TdL estava exatamente iniciando sua fase de revisão, na época da queda do muro de Berlim e do fim dos modelos de governo socialistas e comunistas na Europa Oriental. Não lhes falo a vocês propriamente como um teólogo da libertação, mas como alguém que reconhece seu valor em minha formação. Desse modo, pretendo desenvolver aqui algumas idéias pontuando alguns desafios impostos pelo atual contexto.A Teologia da Libertação não nasceu nos gabinetes europeus ou norte-americanos, mas na experiência de luta pela sobrevivência na América Latina. Essa resistência, inspirada pela fé levou algumas pessoas a tentar compreender a fonte dessa fé e a se identificar com processos semelhantes narrados nas escrituras sagradas cristãs. Desse modo, a Teologia da Libertação colocou no centro de suas preocupações a prática de libertação a partir da tradição do Êxodo, dos profetas populares e de Jesus, e não tanto a clareza nas definições dogmáticas. Assim, sempre deu mais importância à ortopraxia que à ortodoxia. Chamou a atenção dos cristãos para a miséria e exclusão sofridas pela maioria dos seres humanos e denunciou os pressupostos ideológicos de boa parte das teologias do primeiro mundo, não apenas as de nítida inspiração conservadora ou carismática, mas também as tidas como “liberais”. Preocupada com uma questão não prioritariamente doutrinária, mas prática - a própria vida – acabou por tornar-se a mais ecumênica de todas as teologias recentes. Católicos e protestantes de diferentes formações suspenderam seus pressupostos confessionais e puderam se encontrar e trabalhar juntos em torno de um ideal bem mais digno do que a defesa das instituições eclesiásticas. Por isso a Tdl acabou incomodando setores do Vaticano e dos centros ideológicos protestantes. A partir daí, a Teologia da Libertação obrigou as demais correntes teológicas a se perguntarem por sua relevância social. Ou seja, não basta que as teologias sejam ortodoxas, que seus argumentos internos sejam bem trabalhados ou sua relevância dialogal com a sociedade secular sejam firmes. O método da correlaçao entre teologia e filosofia. As teologias devem estar a serviço do plano de Deus, e não do orgulho dogmático ou sistemático ou da legitimação institucional. Portanto, a Teologia da Libertação acabou revelando-se, primeiramente uma iniciativa com preocupações éticas e pastorais e só num segundo momento, se revelaram as preocupações ditas “dogmáticas” ou “sistemáticas”.Apesar disso tudo, afirma-se atualmente que a Teologia da Libertação chegou ao fim ou que está em crise. De fato, por um lado, os ânimos se arrefeceram bastante. As Comunidades Eclesiais de Base se enfraqueceram e as utopias sociais, embora não tenham morrido, encontram-se em nítido estado de sonolência, adormecidas à espera de um beijo que as desperte. Porém, a libertação ainda não aconteceu e, ao contrário, a opressão econômica e a exclusão social aumentam na América Latina e em outros lugares. Desse modo, ao invés de dizer que a TdL chegou ao fim, é preferível dizer que aquele momento inicial da TdL passou e que agora ela amadureceu e se ramificou em vários desdobramentos que oferecem novas possibilidades de trabalho para os/as novos/as pastores/as e teólogos/as em nosso continente.Naturalmente, como todo movimento vivo, a TdL tem se preocupado em identificar os novos desafios do momento em que vivemos e apresentar respostas teológicas e pastorais adequadas. No âmbito acadêmico, a partir dos anos oitenta alguns teólogos da libertação começaram a perceber que a opressão tem várias faces, e que a luta contra a opressão sócio-econômica era apenas uma delas. Essa percepção levou a uma ampliação do leque das preocupações da TdL, principalmente quando o conceito “excluídos” toma o lugar do conceito “pobre”. Nos primeiros vinte anos da TdL o lema era “opção preferencial pelos pobres”. De repente, no início dos anos noventa emerge o conceito de excluídos (que abrange as opressões culturais e levanta os direitos das mulheres, das culturas negras e indígenas, migrantes, dos grupos GLS etc). Essa ampliação das preocupações causou, ao mesmo tempo a primeira crise interna. Alguns dos que defendiam o conceito “excluídos” diziam que o conceito “pobre” era muito reducionista, uma vez que há opressões que não são apenas de natureza econômica. Porém, à medida que o conceito “excluídos” substitui o conceito “pobre”, alguns teólogos da libertação mais antigos reagiram, alertando para uma infiltração burguesa na teologia da libertação que retirava a preocupação para com os pobres. Essa tensão não foi negativa, pois proporcionou um amadurecimento na teologia da libertação, em pelo menos duas áreas. Por um lado, os teólogos mais preocupados com a dimensão econômica (Franz hinkelammert, Hugo Assmann, Julio de Santa Ana e, mais recentemente, Jung Mo Sung) passaram a dedicar muita atenção a essa área e produziram muitas obras preciosas e de qualidade que, infelizmente, ainda são pouco conhecidas na maioria dos seminários evangélicos. Hoje percebe-se melhor os fatores que causam a pobreza e a importância de se pensar em soluções globais para problemas globais. Cada vez mais me convenço de que essa é uma área que merece muita atenção. Trata-se de um grande desafio a todos que se interessam por pensar os problemas econômicos e buscar alternativas solidárias capazes de enfrentar e exorcizar os principados e potestades que dominam a economia mundial. Por parte daqueles que insistiam no conceito de “excluídos” e que eram chamados “burguesia da libertação”, muita coisa boa também surgiu, especificamente no que se refere à pastoral libertadora da classe-média e à consciência de que a libertação deve alcançar todos, não apenas os oprimidos, mas também os opressores ou os que se beneficiam da opressão. Diante dessa situação, meu objetivo nesta noite é bastante simples. Pensando no tema que vocês me propuseram: “Desafios da teologia latino-americana para nossos dias”, pretendo esboçar um panorama de como vejo a situação do estudo da teologia, particularmente no Brasil. Não pretendo falar em termos de toda a América Latina, porque o tempo não nos permitiria. Além disso, não vou lhes propor um roteiro, mas apenas compartilhar o modo como eu mesmo encaro os desafios teológicos para nosso tempo. Ao esboçar esse panorama estarei também apontando para as fontes onde percebo sinais renovadores para a teologia em nosso país. Num segundo momento, quero propor algumas possíveis pontes entre a teologia latino-americana, que não pode perder de vistas nossas preocupações imediatas, mas também não pode se isolar num provincianismo e fechar as costas para tudo o que acontece de positivo no hemisfério norte. Ou seja, para mim, o grande desafio atual é estabelecer pontes entre o contexto da pós-modernidade e a teologia da libertação.
I - A situação da teologia no Brasil.
No âmbito católico-romano Após o Concílio Vaticano I houve uma grande efervescência na teologia católica brasileira. Porém, a partir do papado de João Paulo II, gradativamente essa teologia começou a ser vigiada e seus representantes, perseguidos. O símbolo maior disso se deu quando no início dos anos oitenta, Leonardo Boff foi condenado a um tempo de silêncio obsequioso por causa do livro “Igreja, Carisma e Poder”, uma avaliação crítica da estrutura eclesiástica Católica Romana. Aos poucos, as instâncias de poder do Vaticano conseguiram minar também o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base, fechar ou “reorganizar” seminários, dividir dioceses a fim de enfraquecer os movimentos mais críticos (como aconteceu na Arquidiocese de São Paulo) e silenciar teólogos. Em contrapartida, o Vaticano apoiou movimentos mais conservadores e pouco-críticos, destinados a atrair pessoas de volta à Igreja, o que tem conseguido com relativo sucesso através das missas-shows do Padre Marcelo, dos movimentos de renovação carismática e de pastorais ou movimentos voltados para a classe-média, como é o caso dos Focolares, Encontros de Casais com Cristo, etc. Alguns desses movimentos são apoiados financeiramente por grupos católicos extremamente conservadores e que atuam na surdina, como a Opus Dei. Atualmente, predomina nos principais centros de formação, uma orientação teológica atrelada às linhas atuais do Vaticano, estabelecidas no papado de João Paulo II. Boa parte dos atuais seminaristas e futuros padres da Igreja Católica Romana pouco conhecem dos fundamentos teóricos e metodológicos da TdL. Sinais de renovação teológica no âmbito do catolicismo romano só são vistos em alguns seminários, em cursos organizados por ONGs e movimentos internos (como a “Nova Igreja”) ou grupos ecumênicos como o CESEP e CEBI que, por não estarem atrelados diretamente à hierarquia romana, têm um pouco mais de liberdade de ação, embora lhes faltem os recursos financeiros. Não vejo, atualmente no catolicismo romano (ao menos em suas estruturas), sinais muito visíveis de fortalecimento de uma teologia crítica e diferente da que aí está, pois toda orientação teológica do Vaticano atualmente visa o fortalecimento da Igreja Católica Romana enquanto instituição. É claro que isso tudo pode mudar, de acordo com as orientações que emanarão do Vaticano após a eleição do sucessor de João Paulo II. Além disso, faz parte da fé, acreditar que o Espírito sempre pode reaparecer como vento que sacode as estruturas.2. No âmbito protestante tradicional A teologia feita nas Igrejas protestantes tradicionais do Brasil continua sendo herdeira da teologia dos missionários que trouxeram o protestantismo ao nosso país. Trata-se de uma teologia pouco aberta às relações ecumênicas, centrada no fortalecimento da instituição eclesiástica, de forte ênfase conversionista e recheada por uma densa camada de pietismo. Essa teologia sempre foi marcada muito mais pela repetição dos grandes manuais interpretativos dos líderes da Reforma, sobretudo aqueles surgidos nos seminários norte-americanos conservadores. Nos anos 60 e 70 surgiu no Brasil um bom grupo de teólogos dispostos a sacudir um pouco as igrejas protestantes tradicionais de sua letargia. Porém, tal como aconteceu no catolicismo romano, as igrejas protestantes tradicionais, conseguiram afastar essas vozes mais críticas e progressistas, que acabaram se refugiando em universidades ou migrando para outras atividades. Ocorre, porém, que os anos 80 e 90 trouxeram às igrejas protestantes tradicionais o impacto do movimento carismático, especialmente em sua capacidade para manter na igreja as gerações mais jovens, devidamente domesticadas através dos mantras religiosos entoados nos chamados “momentos de louvor”. Essa nova situação, ao mesmo tempo em que proporcionou às igrejas protestantes tradicionais uma sobrevida, também levou-as a uma série crise de identidade.Ultimamente, a crise financeira da maioria das igrejas tem levado seus líderes a considerar desperdício, o investimento feito em seminários e centros teológicos de pesquisa. A lógica da maioria das instituições nessas horas é sempre a mesma: ao invés de investir na formação teológica, é “mais sensato” reduzir gradativamente os investimentos em seminários e direcionar maior aporte financeiro a centros de formação missionária, onde os resultados são mais imediatos - num tempo mais curto, treina-se um missionário ou evangelista e passa-se sobre ele um verniz teológico, evitando, de preferência, que essa formação seja muito crítica. Semelhantemente ao que acontece no âmbito romano, os programas teológicos das igrejas protestantes também visam em primeiro lugar o fortalecimento da instituição e a garantia de sua continuidade, a partir da formação de lideranças que garantirão a reprodução da instituição. Por isso, no momento, não vejo nas instâncias institucionais das Igrejas Protestantes muitas possibilidades de renovação da teologia. No âmbito evangélico-carismático-pentecostal Reuni essas três palavras num mesmo “tipo ideal” talvez de modo prematuro. Em todo caso, penso que as bases teológicas dessas três expressões religiosas são muito semelhantes. As igrejas pentecostais são herdeiras do movimento pietista-wesleyano. Durante boa parte do século XX, algumas igrejas pentecostais no Brasil consideravam o estudo da “teologia”, coisa do demônio, sem perceber que todos os seus discursos, sermões, pregações, etc, são herdeiros de uma determinada teologia. Quando abandonaram essa ingenuidade inicial, alguns grupos pentecostais começaram a criar cursos, geralmente com o nome de “institutos bíblicos”, “cursos de formação de obreiros ou evangelistas”, etc. O objetivo principal era semelhante aos centros de formação missionária das igrejas protestantes tradicionais – oferecer aos futuros reprodutores do discurso institucional um conhecimento bíblico mínimo e, desse modo, garantir a reprodução da instituição. Geralmente nesses institutos bíblicos, a formação teológica é bastante rasa e introdutória, mas transmitida de modo a fazer com que os receptores acreditem que tudo o que precisam saber ou conhecer está ali e que tudo o que vier além daquilo, “é coisa do diabo”. Na minha experiência como professor de teologia, posso testemunhar de diversos alunos que tive oriundos de seminários ou institutos bíblicos dessa natureza, que chegaram ao curso de teologia apenas para cumprir a obrigação de estudar para conseguir um diploma. Mas vinham todos já com certezas absolutas. E ao final do primeiro ano, ou mesmo do primeiro semestre de estudo, descobriam que, até então, estavam se alimentando apenas de leite. Por ser um ensino reprodutivo, pouco aberto às pesquisas mais atuais da teologia e pouco aberto ao diálogo ecumênico, também não vejo nenhum sinal de que a renovação da teologia no Brasil possa vir desses grupos.4. No âmbito ecumênico A partir dos anos sessenta começou a se desenvolver no Brasil o movimento ecumênico de modo mais intenso. Diversos organismos e institutos ecumênicos foram criados nos bons tempos em que ainda havia muitas verbas para tanto. Apesar de alguns percalços, o movimento ecumênico só trouxe benefícios para a teologia no Brasil. A ASTE é um desses frutos, bem como organismos aqui já citados, como o CESEP e CEBI, além do CLAI, CEBEP, CONIC, o antigo CEDI, agora Koinonia e o Instituto Ecumênico de Pós-graduação em Ciências da Religião de São Bernardo do Campo, que, embora hospedado numa instituição confessional (Universidade Metodista), trabalha com bastante autonomia e liberdade. Fazendo um retrospecto dos últimos vinte ou trinta anos de produção teológica no Brasil, observo que tudo o que houve de novidade, de acréscimo, tudo o que não foi mera repetição, surgiu nesses ambientes ecumênicos mais arejados. O método popular de leitura da Bíblia, as articulações pastorais, a renovação litúrgica (ainda não encampada pelas Igrejas), a nova hinologia latino-americana, em geral foram produzidas por pessoas e grupos envolvidos no movimento ecumênico e não por iniciativas confessionais isoladas. Apesar de as igrejas protestantes tradicionais atualmente darem pouca atenção ao movimento ecumênico, esse é um dos poucos espaços onde vislumbro humanamente alguma esperança concreta para a renovação da teologia no Brasil. Se há algum conselho que eu possa dar aos meus alunos de teologia é esse: invistam seu tempo de férias, seus fins de semana livres, feriados, etc, na participação de encontros ecumênicos que estão sempre acontecendo pelo Brasil. Muita gente diz que não participa porque não são divulgados. Isso é preguiça de buscar informações. Procurem na internet os endereços de sites ecumênicos no Brasil (geralmente todos têm algum boletim informativo, ou pelo menos, o número do telefone). Quem procura, acha!5. No âmbito acadêmico Boa parte dos movimentos de renovação teológica não surgiu por esforços institucionais de igrejas estabelecidas. A história tem mostrado que todas as instituições tendem a se tornar conservadoras e a inibir a criatividade. Isso acontece também com as igrejas estabelecidas e com grupos pára-eclesiásticos institucionalizados. Se fizermos uma retrospectiva de tudo o que surgiu na teologia do século XX, por exemplo, veremos que as grandes pesquisas bíblicas no AT e NT, a aplicação da sociologia e da historiografia crítica aos textos bíblicos, a nova hermenêutica e as mais ousadas novidades teológicas sempre surgem primeiro em âmbitos acadêmicos – universidades e centros de pesquisa. Elas sempre estão à frente das Igrejas, e as igrejas só aos poucos vão assimilando, geralmente com bastante atraso, os resultados das novas pesquisas teológicas. Apenas alguns exemplos: Paul Tillich é um dos teólogos mais influentes do século XX. Nos anos 80 e 90 surgiram diversos grupos de estudo sobre o pensamento de Tillich em várias partes do mundo. Hoje há bem organizadas sociedades de estudo da teologia de Tillich nos EUA, Canadá, em vários países da Europa e uma aqui no Brasil. Porém, a recepção do pensamento de Tillich por parte das igrejas no Brasil ainda é diminuta. O mesmo pode ser dito na área de estudos bíblicos. O estudo de Gerd Theissen, Meeks, Ched Myers, Andrew Overman, o Context Group, etc, ainda é privilégio de poucos interessados em comprar algumas dessas obras já traduzidas ou pesquisar sobre elas na internet. Se me perguntarem pelos sinais de renovação teológica atualmente no mundo, eu lhes apontarei essas duas fontes: o mundo ecumênico e os centros de pesquisa acadêmicos. Se vocês não quiserem ser meros estudantes que reproduzirão a teologia já feita por outros, procurem se integrar com os centros de pesquisa teológica nas universidades e em grupos de estudo. Ali se faz pesquisa de ponta e muito do que é discutido hoje, só será assimilado pelas igrejas dentro de alguns anos, pois, na maioria dos casos, a Igreja está sempre atrasada em relação aos movimentos históricos. Conversando com alguns colegas que lecionam Teologia Contemporânea em diversos seminários, percebo que, para eles, teologia contemporânea anda significa estudar Barth, Bultmann e Tillich, que nem são mais “contemporâneos”, pois estão todos mortos. É claro, que boa parte dos novos estudantes precisa pelo menos ser iniciada nesses grandes nomes. Mas eu, particularmente, acho que Teologia Contemporânea diz respeito àquilo que está sendo produzido por gente viva, ativa e pouco conhecida. É claro que essa interação com a vida acadêmica não pode ser feita como um mero exercício de masturbação intelectual. Naturalmente, é imprescindível associar essa interação com a vida acadêmica à participação na comunhão da Igreja. A teologia deve ser serva da Igreja – uma instância crítica inseparável da comunhão, como a consciência, que não existe fora do ser, fora do corpo do indivíduo.
II. A situação do ensino de teologia no Brasil hoje
Na condição de professor de teologia já há um bom tempo, confesso-lhes que às vezes me sinto extremamente frustrado com a falta de interesse de nossos atuais estudantes em pesquisar com avidez o que há de mais recente na teologia. Tenho trabalhado como professor em Seminários Evangélicos presbiterianos, batistas, da Assembléia de Deus e interdenominacionais em diversos lugares e, tristemente, observo que nunca houve classes tão fracas de estudantes como nos últimos anos. No início de meu ministério docente, recordo-me que os alunos chegavam aos seminários bastante preparados biblicamente, com uma visão teológica razoavelmente ampla, com conhecimentos mínimos de história do cristianismo e com uma sede intelectual muito grande por penetrar no fascinante mundo da teologia cristã. Ultimamente, porém, aqueles que se matriculam em Seminários refletem a pobreza e mediocridade teológica que tomaram conta das igrejas evangélicas. Sempre pergunto aos calouros a respeito de suas convicções em relação ao chamado e à vocação. Pois outro dia, um calouro saiu-se com a brilhante resposta: “não passei em nenhum vestibular e comecei a sentir que Deus impedira meu acesso à universidade a fim de que eu me dedicasse ao ministério”. Trata-se do mais típico caso de “certeza da vocação” adquirida na ignorância. E, invariavelmente, esses são os alunos que mais transpiram preguiça intelectual. A grande maioria dos novos vocacionados chega aos Seminários influenciada pelos modismos que grassam no mundo evangélico. Alguns se autodenominam “levitas”. Outros, dizem que estão ali porque são vocacionados a ser “apóstolos”. Ultimamente qualquer pessoa que canta ou toca algum instrumento na Igreja, se autodenomina “levita”. Tento fazê-los compreender que os levitas, na antiga aliança, não apenas cantavam e tocavam instrumentos no Templo, como também cuidavam da higiene e limpeza do altar dos sacrifícios (afinal, muito sangue era derramado várias vezes por dia), além de constituírem até mesmo uma espécie de “força policial” para manter a ordem nas celebrações. Porém, hoje em dia, para os “novos levitas” basta saber tocar três acordes e fazer algumas coreografias aeróbicas durante o louvor para se sentirem com autoridade até mesmo para mudar a ordem dos cultos. Outros há, que se auto-intitulam “apóstolos”. Dentro de alguns dias teremos também “anjos”, “arcanjos”, “querubins” e “serafins”. No dia em que inventarem o ministério de “semi-deus” já não precisaremos mais sequer da Bíblia. Nunca pensei que fosse dizer isso, pois as pessoas que me conhecem geralmente me chamam de “progressista”. Entretanto, ultimamente, ando muito “saudosista” ou “nostálgico”. Tenho saudades de um tempo em que havia certa ordem nos cultos evangélicos, em que os cânticos e hinos estavam distribuídos equilibradamente na liturgia. Atualmente os chamados “momentos de louvor” mais se assemelham a show ensurdecedores prejudiciais à saúde ou de um sentimentalismo meloso. Muitas pessoas vão à Igreja muito mais por causa do “louvor” do que para ouvir a Palavra que regenera, orienta e exige de nós obediência. Certa ocasião convidei um aluno a participar de um culto contemplativo na minha Igreja, que seria dirigido por um colega que estava nos visitando. Colocamos o altar no centro do templo, apagamos as luzes e acendemos as velas, sentamo-nos todos em círculo e utilizamos um incenso bem suave para tornar o ambiente mais agradável e foi um lido um texto bíblico. Na liturgia anglicana, o sinal de que a liturgia está começando é o toque do sino e o acender das velas. Ficamos ali, algum tempo em silêncio, em oração, em meditação sobre o texto lido. Após algum tempo, esse aluno me cutucou e perguntou: “quando é que o culto vai começar? Estão esperando alguém?” E eu lhe respondi: “infelizmente, você já desperdiçou dez minutos de culto”. Esse é talvez o mais pernicioso efeito da cultura pop e da massificação musical em nossos dias. Perdemos a capacidade de rezar e celebrar no silêncio e na serenidade. Outro aluno, recentemente me disse: “se não houver música, não há culto”. Creio que, em parte, isso é reflexo da cultura pop, da influência da “Geração MTV”, que privilegia o som e o movimento e que é incapaz de perceber que Deus pode ser encontrado também na contemplação, meditação e no silêncio.Maraschin tem um artigo intitulado “Meia hora de silêncio”, baseado no texto de Apocalipse 8.1: “Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, houve no céu um silêncio de meia hora...”. Que lindo isso: meia hora de silêncio. Hoje não conseguimos nem um minuto. Quando pedimos um minuto de oração silenciosa na igreja, as pessoas ficam impacientes, tossem, batem os pés, tamburilam os dedos nos bancos, abrem a Bíblia... a conseqüência desse mundo que privilegia o som, a rapidez, e o movimento é a superficialidade também nos estudos teológicos. Seria muito bom se conseguíssemos em nossas disciplinas de liturgia fazer esse exercício espiritual: começar o culto com meia hora de silêncio, pois no texto do Apocalipse, esse silêncio é preparatório para um grande evento: um anjo pega um grande turíbulo cheio de incenso que simbolizam as orações da Igreja, enche-o com o fogo do altar e o despeja sobre a terra, causando trovões e terremoto como um sinal para que sete anjos toquem as sete trombetas anunciando a renovação do mundo... Mas no mundo pós-moderno não é isso que os jovens desejam. O que vocês desejam é rapidez, movimento e pouca concentração. Há, porém, uma diferença entre desejo e necessidade. Nem sempre o que se deseja é o que se necessita. Os jovens de nosso tempo, a começar de vocês que estão estudando teologia, precisam aprender a valorizar os ritmos pausados e lentos das liturgias meditativas e contemplativas. Nada mais prejudicial ao estudo da teologia do que os cursos de leitura dinâmica. Teologia e filosofia se aprendem de modo oposto – com leitura calma, pausada, refletida e reflexiva. Percebo também que alguns colegas pastores de outras igrejas freqüentemente manifestam a sensação de sentirem-se tolhidos e pressionados pelos diversos grupos de louvor. O mercado gospel cresceu muito em nosso país e, além de enriquecer os “artistas” e insuflar seus egos, passou a determinar até mesmo a “identidade” das igrejas evangélicas. Houve tempo em que um presbiteriano ou um batista sabiam dar razão de suas crenças. Atualmente, tudo parece estar se diluindo numa massa disforme. Trata-se da “xuxização” (“todo mundo batendo palma agora... todo mundo tá feliz? tá feliz!”) do mundo evangélico, liderada pelos “levitas” que aprisionam ideologicamente os ministros da Palavra. O apóstolo Paulo dizia que a Palavra não está aprisionada. Mas, em nossos dias, os ministros da Palavra, estão – cativos da cultura gospel. Tenho a impressão de que isso tudo é, em parte, reflexo de um antigo problema: o relacionamento do mundo evangélico com a cultura chamada “secular”. Amedrontados com as muitas opções que o “mundo” oferece, os pais preferem ter os filhos constantemente sob a mira dos olhos aos domingos, ainda que isso implique em modificar a identidade das Igrejas. E os pastores, reféns que são dos dízimos de onde retiram seus salários, rendem-se às conveniências, no estilo dos sacerdotes do Antigo Testamento. Um aluno disse-me que, no dia em que os evangélicos tomarem o poder no Brasil acabarão com o carnaval, as “folias de rei”, os cinemas, bares, danceterias etc. Assusta-me o fato de que o desenvolvimento dessa sub-cultura “gospel” torne o mundo evangélico tão guetizado que, se um dia, realmente os evangélicos tomarem o poder na sociedade, venham a desenvolver uma espécie de “Talibã evangélico”. Tal como as estátuas do Buda no Afeganistão, o “Cristo Redentor” estará com os dias contados.Esses jovens que passam o dia ouvindo rádios gospel e lendo textos de duvidosa qualidade teológica, de repente enxergam nos Seminários uma grande oportunidade de ascensão profissional e buscam em massa os mesmos. Nunca houve tanta afluência de jovens nos seminários como nos últimos anos. Quando eu lecionava aqui nesse seminário (STAGS), lembro-me que os colegas diziam que a Igreja, em breve teria problemas, pois o crescimento da Igreja não era proporcional ao número de jovens que todos os anos saíam dos Seminários como bacharéis em teologia, aptos para o exercício do ministério. A preocupação dos colegas era: onde a igreja iria colocar todos esses novos pastores? Na minha ingenuidade, sugeri que seria uma grande oportunidade missionária: enviá-los para iniciarem novas comunidades em zonas rurais e na periferia das cidades. Foi então que um colega, bastante sábio, retrucou: “Eles não querem. Recusam-se! Querem as Igrejas grandes, já formadas e estabelecidas, sem problemas financeiros”. De fato, percebi que alguns realmente se mostravam decepcionados ao saberem que teriam que começar seu ministério em um lugar pequeno, numa comunidade pobre, fazendo cultos nos lares, cantando às vezes “à capella” e sem o apoio dos amplificadores e mesas-de-som.Na maioria dos Seminários hoje, os alunos sabem o nome de todas as bandas gospel, mas não sabem quem foi Wesley, Lutero ou Calvino. Talvez até já tenham ouvido falar desses nomes, mas são para eles, personagens de um passado sem-importância e sobre o qual não vale a pena ler ou estudar. Talvez por isso eu e outros colegas professores nos sintamos hoje em dia como que “falando para as paredes”. Nem dá gosto mais preparar uma aula decente, pois na maioria das vezes temos sempre que “voltar aos rudimentos da fé” e dar aos vocacionados o leite que não recebem nas Igrejas. Várias vezes tive que mudar o rumo das aulas preparadas para falar de assuntos que antes discutíamos nas Escolas Dominicais. Não sei se isso acontece em todos os Seminários, mas em muitos lugares, o conteúdo e a profundidade de temas discutidos nos cursos de graduação pouco difere das aulas que ministrávamos na Escola Dominical para neófitos.
III – DESAFIOS PARA A TEOLOGIA LATINO-AMERICANA
Quero finalizar apontando-lhes alguns desafios para a teologia que fazemos no Brasil. O primeiro diz respeito à necessária ponte que devemos estabelecer hoje entre o depósito de saber acumulado pela teologia da libertação, a reserva de sentido libertador ainda existente em nossas igrejas e o contexto de pós-modernidade em que vivemos. a) O desafio da pós-modernidadePara quem não está muito informado sobre o que significa pós-modernidade, basta lembrar-se das excelentes avaliações feitas pelos colegas que me precederam nessa jornada de palestras. Não pretendo repetir tudo o que tem sido dito sobre a pós-modernidade. Nos anos 50, Paul Tillich escreveu um artigo com o título: “O fim da era protestante”, no qual sugeria que o protestantismo tradicional estava vivendo seu ocaso. Ele estava se referindo às igrejas que insistiam em se apegar aos modelos nascidos na época da Reforma. Tillich, porém, termina o artigo dizendo que, se a “era protestante” está chegando ao fim, isso não acontece com o “princípio protestante”. Sugiro a vocês lerem um pouco sobre o significado desse conceito “princípio protestante”, a respeito do qual também não temos tempo de comentar agora. De fato, não há como negar que o protestantismo tradicional está em crise porque nunca se renovou. O lema “Igreja reformada sempre se reformando” é muito bonito, mas muito perigoso, porque impede toda e qualquer institucionalização, que foi exatamente o que aconteceu com o protestantismo clássico, que nunca mais se reformou, apesar de todos os anos ouvirmos essa frase na semana comemorativa da reforma. O protestantismo que herdamos é fruto da modernidade. A Reforma foi um movimento moderno. Nasceu com a modernidade, legitimou a modernidade e cresceu com ela. Hoje, porém, sua crise e seu declínio correspondem também à crise da modernidade e ao advento da pós-modernidade. Em linhas gerais, o que se convencionou chamar “pós-modernidade” refere-se à constatação de que os grandes discursos de referência capazes de explicar o mundo (marxismo, capitalismo, psicanálise, freudianismo, positivismo, a ciência, a razão técnica e a teologia cristã tradicional) saturaram-se e já não são capazes de oferecer respostas significativas aos novos tempos. Alguns pós-modernos até mesmo renunciam à busca de respostas globais por entender ser isso impossível. Respira-se um clima de “morte das utopias”, fim dos grandes objetivos de transformação social e progresso e muita fragilidade e superficialidade nas relações interpessoais. A condição pós-moderna caracteriza-se pela deconstrução dos discursos e estatutos científicos e institucionais clássicos e, por conseguinte, por uma intensa fragmentação, dissolução de laços e fidelidades institucionais. Diante disso, sempre surgem vozes dizendo que a raiz dessa crise está no abandono da teologia da Reforma Protestante, que precisamos voltar a ela e que essa volta representaria a única esperança para o futuro do protestantismo clássico. Creio que isso é impossível. Hoje todos os sistemas estão caindo em ruínas e não devemos gastar energias em tentar segurá-los ou reeguê-los, mas procurar nas ruínas, pedaços que nos ajudem a construir pequenos abrigos.O que precisamos é perceber como os reformadores fizeram o que fizeram e não tanto nos apegar às" Desafios da Teologia Latino-americana para nossos dias. Fui muito enriquecido quando fazia o curso de graduação em teologia, sobretudo pela hermenêutica da suspeita e a interpretação bíblica na ótica dos pobres, dos oprimidos e dos que ficaram à margem da sociedade, tal como Jesus. Tive a oportunidade de lecionar Teologia Latino-americana em alguns seminários, mas quando comecei minha carreira docente, a TdL estava exatamente iniciando sua fase de revisão, na época da queda do muro de Berlim e do fim dos modelos de governo socialistas e comunistas na Europa Oriental. Não lhes falo a vocês propriamente como um teólogo da libertação, mas como alguém que reconhece seu valor em minha formação. Desse modo, pretendo desenvolver aqui algumas idéias pontuando alguns desafios impostos pelo atual contexto.A Teologia da Libertação não nasceu nos gabinetes europeus ou norte-americanos, mas na experiência de luta pela sobrevivência na América Latina. Essa resistência, inspirada pela fé levou algumas pessoas a tentar compreender a fonte dessa fé e a se identificar com processos semelhantes narrados nas escrituras sagradas cristãs. Desse modo, a Teologia da Libertação colocou no centro de suas preocupações a prática de libertação a partir da tradição do Êxodo, dos profetas populares e de Jesus, e não tanto a clareza nas definições dogmáticas. Assim, sempre deu mais importância à ortopraxia que à ortodoxia. Chamou a atenção dos cristãos para a miséria e exclusão sofridas pela maioria dos seres humanos e denunciou os pressupostos ideológicos de boa parte das teologias do primeiro mundo, não apenas as de nítida inspiração conservadora ou carismática, mas também as tidas como “liberais”. Preocupada com uma questão não prioritariamente doutrinária, mas prática - a própria vida – acabou por tornar-se a mais ecumênica de todas as teologias recentes. Católicos e protestantes de diferentes formações suspenderam seus pressupostos confessionais e puderam se encontrar e trabalhar juntos em torno de um ideal bem mais digno do que a defesa das instituições eclesiásticas. Por isso a Tdl acabou incomodando setores do Vaticano e dos centros ideológicos protestantes. A partir daí, a Teologia da Libertação obrigou as demais correntes teológicas a se perguntarem por sua relevância social. Ou seja, não basta que as teologias sejam ortodoxas, que seus argumentos internos sejam bem trabalhados ou sua relevância dialogal com a sociedade secular sejam firmes. O método da correlaçao entre teologia e filosofia. As teologias devem estar a serviço do plano de Deus, e não do orgulho dogmático ou sistemático ou da legitimação institucional. Portanto, a Teologia da Libertação acabou revelando-se, primeiramente uma iniciativa com preocupações éticas e pastorais e só num segundo momento, se revelaram as preocupações ditas “dogmáticas” ou “sistemáticas”.Apesar disso tudo, afirma-se atualmente que a Teologia da Libertação chegou ao fim ou que está em crise. De fato, por um lado, os ânimos se arrefeceram bastante. As Comunidades Eclesiais de Base se enfraqueceram e as utopias sociais, embora não tenham morrido, encontram-se em nítido estado de sonolência, adormecidas à espera de um beijo que as desperte. Porém, a libertação ainda não aconteceu e, ao contrário, a opressão econômica e a exclusão social aumentam na América Latina e em outros lugares. Desse modo, ao invés de dizer que a TdL chegou ao fim, é preferível dizer que aquele momento inicial da TdL passou e que agora ela amadureceu e se ramificou em vários desdobramentos que oferecem novas possibilidades de trabalho para os/as novos/as pastores/as e teólogos/as em nosso continente.Naturalmente, como todo movimento vivo, a TdL tem se preocupado em identificar os novos desafios do momento em que vivemos e apresentar respostas teológicas e pastorais adequadas. No âmbito acadêmico, a partir dos anos oitenta alguns teólogos da libertação começaram a perceber que a opressão tem várias faces, e que a luta contra a opressão sócio-econômica era apenas uma delas. Essa percepção levou a uma ampliação do leque das preocupações da TdL, principalmente quando o conceito “excluídos” toma o lugar do conceito “pobre”. Nos primeiros vinte anos da TdL o lema era “opção preferencial pelos pobres”. De repente, no início dos anos noventa emerge o conceito de excluídos (que abrange as opressões culturais e levanta os direitos das mulheres, das culturas negras e indígenas, migrantes, dos grupos GLS etc). Essa ampliação das preocupações causou, ao mesmo tempo a primeira crise interna. Alguns dos que defendiam o conceito “excluídos” diziam que o conceito “pobre” era muito reducionista, uma vez que há opressões que não são apenas de natureza econômica. Porém, à medida que o conceito “excluídos” substitui o conceito “pobre”, alguns teólogos da libertação mais antigos reagiram, alertando para uma infiltração burguesa na teologia da libertação que retirava a preocupação para com os pobres.Essa tensão não foi negativa, pois proporcionou um amadurecimento na teologia da libertação, em pelo menos duas áreas. Por um lado, os teólogos mais preocupados com a dimensão econômica (Franz hinkelammert, Hugo Assmann, Julio de Santa Ana e, mais recentemente, Jung Mo Sung) passaram a dedicar muita atenção a essa área e produziram muitas obras preciosas e de qualidade que, infelizmente, ainda são pouco conhecidas na maioria dos seminários evangélicos. Hoje percebe-se melhor os fatores que causam a pobreza e a importância de se pensar em soluções globais para problemas globais. Cada vez mais me convenço de que essa é uma área que merece muita atenção. Trata-se de um grande desafio a todos que se interessam por pensar os problemas econômicos e buscar alternativas solidárias capazes de enfrentar e exorcizar os principados e potestades que dominam a economia mundial. Por parte daqueles que insistiam no conceito de “excluídos” e que eram chamados “burguesia da libertação”, muita coisa boa também surgiu, especificamente no que se refere à pastoral libertadora da classe-média e à consciência de que a libertação deve alcançar todos, não apenas os oprimidos, mas também os opressores ou os que se beneficiam da opressão.Diante dessa situação, meu objetivo nesta noite é bastante simples. Pensando no tema que vocês me propuseram: “Desafios da teologia latino-americana para nossos dias”, pretendo esboçar um panorama de como vejo a situação do estudo da teologia, particularmente no Brasil. Não pretendo falar em termos de toda a América Latina, porque o tempo não nos permitiria. Além disso, não vou lhes propor um roteiro, mas apenas compartilhar o modo como eu mesmo encaro os desafios teológicos para nosso tempo. Ao esboçar esse panorama estarei também apontando para as fontes onde percebo sinais renovadores para a teologia em nosso país. Num segundo momento, quero propor algumas possíveis pontes entre a teologia latino-americana, que não pode perder de vistas nossas preocupações imediatas, mas também não pode se isolar num provincianismo e fechar as costas para tudo o que acontece de positivo no hemisfério norte. Ou seja, para mim, o grande desafio atual é estabelecer pontes entre o contexto da pós-modernidade e a teologia da libertação. I - A situação da teologia no Brasil
1. No âmbito católico-romano
Após o Concílio Vaticano I houve uma grande efervescência na teologia católica brasileira. Porém, a partir do papado de João Paulo II, gradativamente essa teologia começou a ser vigiada e seus representantes, perseguidos. O símbolo maior disso se deu quando no início dos anos oitenta, Leonardo Boff foi condenado a um tempo de silêncio obsequioso por causa do livro “Igreja, Carisma e Poder”, uma avaliação crítica da estrutura eclesiástica Católica Romana. Aos poucos, as instâncias de poder do Vaticano conseguiram minar também o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base, fechar ou “reorganizar” seminários, dividir dioceses a fim de enfraquecer os movimentos mais críticos (como aconteceu na Arquidiocese de São Paulo) e silenciar teólogos. Em contrapartida, o Vaticano apoiou movimentos mais conservadores e pouco-críticos, destinados a atrair pessoas de volta à Igreja, o que tem conseguido com relativo sucesso através das missas-shows do Padre Marcelo, dos movimentos de renovação carismática e de pastorais ou movimentos voltados para a classe-média, como é o caso dos Focolares, Encontros de Casais com Cristo, etc. Alguns desses movimentos são apoiados financeiramente por grupos católicos extremamente conservadores e que atuam na surdina, como a Opus Dei. Atualmente, predomina nos principais centros de formação, uma orientação teológica atrelada às linhas atuais do Vaticano, estabelecidas no papado de João Paulo II. Boa parte dos atuais seminaristas e futuros padres da Igreja Católica Romana pouco conhecem dos fundamentos teóricos e metodológicos da TdL. Sinais de renovação teológica no âmbito do catolicismo romano só são vistos em alguns seminários, em cursos organizados por ONGs e movimentos internos (como a “Nova Igreja”) ou grupos ecumênicos como o CESEP e CEBI que, por não estarem atrelados diretamente à hierarquia romana, têm um pouco mais de liberdade de ação, embora lhes faltem os recursos financeiros. Não vejo, atualmente no catolicismo romano (ao menos em suas estruturas), sinais muito visíveis de fortalecimento de uma teologia crítica e diferente da que aí está, pois toda orientação teológica do Vaticano atualmente visa o fortalecimento da Igreja Católica Romana enquanto instituição. É claro que isso tudo pode mudar, de acordo com as orientações que emanarão do Vaticano após a eleição do sucessor de João Paulo II. Além disso, faz parte da fé, acreditar que o Espírito sempre pode reaparecer como vento que sacode as estruturas.
2. No âmbito protestante tradicional
A teologia feita nas Igrejas protestantes tradicionais do Brasil continua sendo herdeira da teologia dos missionários que trouxeram o protestantismo ao nosso país. Trata-se de uma teologia pouco aberta às relações ecumênicas, centrada no fortalecimento da instituição eclesiástica, de forte ênfase conversionista e recheada por uma densa camada de pietismo. Essa teologia sempre foi marcada muito mais pela repetição dos grandes manuais interpretativos dos líderes da Reforma, sobretudo aqueles surgidos nos seminários norte-americanos conservadores. Nos anos 60 e 70 surgiu no Brasil um bom grupo de teólogos dispostos a sacudir um pouco as igrejas protestantes tradicionais de sua letargia. Porém, tal como aconteceu no catolicismo romano, as igrejas protestantes tradicionais, conseguiram afastar essas vozes mais críticas e progressistas, que acabaram se refugiando em universidades ou migrando para outras atividades. Ocorre, porém, que os anos 80 e 90 trouxeram às igrejas protestantes tradicionais o impacto do movimento carismático, especialmente em sua capacidade para manter na igreja as gerações mais jovens, devidamente domesticadas através dos mantras religiosos entoados nos chamados “momentos de louvor”. Essa nova situação, ao mesmo tempo em que proporcionou às igrejas protestantes tradicionais uma sobrevida, também levou-as a uma série crise de identidade.Ultimamente, a crise financeira da maioria das igrejas tem levado seus líderes a considerar desperdício, o investimento feito em seminários e centros teológicos de pesquisa. A lógica da maioria das instituições nessas horas é sempre a mesma: ao invés de investir na formação teológica, é “mais sensato” reduzir gradativamente os investimentos em seminários e direcionar maior aporte financeiro a centros de formação missionária, onde os resultados são mais imediatos - num tempo mais curto, treina-se um missionário ou evangelista e passa-se sobre ele um verniz teológico, evitando, de preferência, que essa formação seja muito crítica. Semelhantemente ao que acontece no âmbito romano, os programas teológicos das igrejas protestantes também visam em primeiro lugar o fortalecimento da instituição e a garantia de sua continuidade, a partir da formação de lideranças que garantirão a reprodução da instituição. Por isso, no momento, não vejo nas instâncias institucionais das Igrejas Protestantes muitas possibilidades de renovação da teologia.
3. No âmbito evangélico-carismático-pentecostal
Reuni essas três palavras num mesmo “tipo ideal” talvez de modo prematuro. Em todo caso, penso que as bases teológicas dessas três expressões religiosas são muito semelhantes. As igrejas pentecostais são herdeiras do movimento pietista-wesleyano. Durante boa parte do século XX, algumas igrejas pentecostais no Brasil consideravam o estudo da “teologia”, coisa do demônio, sem perceber que todos os seus discursos, sermões, pregações, etc, são herdeiros de uma determinada teologia. Quando abandonaram essa ingenuidade inicial, alguns grupos pentecostais começaram a criar cursos, geralmente com o nome de “institutos bíblicos”, “cursos de formação de obreiros ou evangelistas”, etc. O objetivo principal era semelhante aos centros de formação missionária das igrejas protestantes tradicionais – oferecer aos futuros reprodutores do discurso institucional um conhecimento bíblico mínimo e, desse modo, garantir a reprodução da instituição. Geralmente nesses institutos bíblicos, a formação teológica é bastante rasa e introdutória, mas transmitida de modo a fazer com que os receptores acreditem que tudo o que precisam saber ou conhecer está ali e que tudo o que vier além daquilo, “é coisa do diabo”. Na minha experiência como professor de teologia, posso testemunhar de diversos alunos que tive oriundos de seminários ou institutos bíblicos dessa natureza, que chegaram ao curso de teologia apenas para cumprir a obrigação de estudar para conseguir um diploma. Mas vinham todos já com certezas absolutas. E ao final do primeiro ano, ou mesmo do primeiro semestre de estudo, descobriam que, até então, estavam se alimentando apenas de leite. Por ser um ensino reprodutivo, pouco aberto às pesquisas mais atuais da teologia e pouco aberto ao diálogo ecumênico, também não vejo nenhum sinal de que a renovação da teologia no Brasil possa vir desses grupos.
4. No âmbito ecumênico
A partir dos anos sessenta começou a se desenvolver no Brasil o movimento ecumênico de modo mais intenso. Diversos organismos e institutos ecumênicos foram criados nos bons tempos em que ainda havia muitas verbas para tanto. Apesar de alguns percalços, o movimento ecumênico só trouxe benefícios para a teologia no Brasil. A ASTE é um desses frutos, bem como organismos aqui já citados, como o CESEP e CEBI, além do CLAI, CEBEP, CONIC, o antigo CEDI, agora Koinonia e o Instituto Ecumênico de Pós-graduação em Ciências da Religião de São Bernardo do Campo, que, embora hospedado numa instituição confessional (Universidade Metodista), trabalha com bastante autonomia e liberdade. Fazendo um retrospecto dos últimos vinte ou trinta anos de produção teológica no Brasil, observo que tudo o que houve de novidade, de acréscimo, tudo o que não foi mera repetição, surgiu nesses ambientes ecumênicos mais arejados. O método popular de leitura da Bíblia, as articulações pastorais, a renovação litúrgica (ainda não encampada pelas Igrejas), a nova hinologia latino-americana, em geral foram produzidas por pessoas e grupos envolvidos no movimento ecumênico e não por iniciativas confessionais isoladas. Apesar de as igrejas protestantes tradicionais atualmente darem pouca atenção ao movimento ecumênico, esse é um dos poucos espaços onde vislumbro humanamente alguma esperança concreta para a renovação da teologia no Brasil. Se há algum conselho que eu possa dar aos meus alunos de teologia é esse: invistam seu tempo de férias, seus fins de semana livres, feriados, etc, na participação de encontros ecumênicos que estão sempre acontecendo pelo Brasil. Muita gente diz que não participa porque não são divulgados. Isso é preguiça de buscar informações. Procurem na internet os endereços de sites ecumênicos no Brasil (geralmente todos têm algum boletim informativo, ou pelo menos, o número do telefone). Quem procura, acha!
5. No âmbito acadêmico
Boa parte dos movimentos de renovação teológica não surgiu por esforços institucionais de igrejas estabelecidas. A história tem mostrado que todas as instituições tendem a se tornar conservadoras e a inibir a criatividade. Isso acontece também com as igrejas estabelecidas e com grupos pára-eclesiásticos institucionalizados. Se fizermos uma retrospectiva de tudo o que surgiu na teologia do século XX, por exemplo, veremos que as grandes pesquisas bíblicas no AT e NT, a aplicação da sociologia e da historiografia crítica aos textos bíblicos, a nova hermenêutica e as mais ousadas novidades teológicas sempre surgem primeiro em âmbitos acadêmicos – universidades e centros de pesquisa. Elas sempre estão à frente das Igrejas, e as igrejas só aos poucos vão assimilando, geralmente com bastante atraso, os resultados das novas pesquisas teológicas. Apenas alguns exemplos: Paul Tillich é um dos teólogos mais influentes do século XX. Nos anos 80 e 90 surgiram diversos grupos de estudo sobre o pensamento de Tillich em várias partes do mundo. Hoje há bem organizadas sociedades de estudo da teologia de Tillich nos EUA, Canadá, em vários países da Europa e uma aqui no Brasil. Porém, a recepção do pensamento de Tillich por parte das igrejas no Brasil ainda é diminuta. O mesmo pode ser dito na área de estudos bíblicos. O estudo de Gerd Theissen, Meeks, Ched Myers, Andrew Overman, o Context Group, etc, ainda é privilégio de poucos interessados em comprar algumas dessas obras já traduzidas ou pesquisar sobre elas na internet.Se me perguntarem pelos sinais de renovação teológica atualmente no mundo, eu lhes apontarei essas duas fontes: o mundo ecumênico e os centros de pesquisa acadêmicos. Se vocês não quiserem ser meros estudantes que reproduzirão a teologia já feita por outros, procurem se integrar com os centros de pesquisa teológica nas universidades e em grupos de estudo. Ali se faz pesquisa de ponta e muito do que é discutido hoje, só será assimilado pelas igrejas dentro de alguns anos, pois, na maioria dos casos, a Igreja está sempre atrasada em relação aos movimentos históricos. Conversando com alguns colegas que lecionam Teologia Contemporânea em diversos seminários, percebo que, para eles, teologia contemporânea anda significa estudar Barth, Bultmann e Tillich, que nem são mais “contemporâneos”, pois estão todos mortos. É claro, que boa parte dos novos estudantes precisa pelo menos ser iniciada nesses grandes nomes. Mas eu, particularmente, acho que Teologia Contemporânea diz respeito àquilo que está sendo produzido por gente viva, ativa e pouco conhecida.É claro que essa interação com a vida acadêmica não pode ser feita como um mero exercício de masturbação intelectual. Naturalmente, é imprescindível associar essa interação com a vida acadêmica à participação na comunhão da Igreja. A teologia deve ser serva da Igreja – uma instância crítica inseparável da comunhão, como a consciência, que não existe fora do ser, fora do corpo do indivíduo.
Por Carlos Eduardo B. Calvani

08 janeiro, 2006

Não quero ser Apóstolo

Os pastores possuem um fino senso de humor. Muitas vezes, reúnem-se e contam casos folclóricos, descrevem tipos pitorescos e narram suas próprias gafes. Riem de si mesmos e procuram extravasar na gargalhada as tensões que pesam sobre os seus ombros. Ultimamente, fazem-se piadas dos títulos que os líderes estão conferindo a si próprios. É que está havendo uma certa, digamos, volúpia em pastores se promoverem a bispos e apóstolos. Numa reunião, diz a anedota, um perguntou ao outro: "Você já é apóstolo?" O outro teria respondido: "Não, e nem quero. Meu desejo agora é ser semi-deus". Apóstolo agora está virando arroz de festa e meu ministério é tão especial que somente este título cabe a mim". Um outro chiste que corre entre os pastores é que se no livro do Apocalipse o anjo da igreja é um pastor, logo, aquele que desenvolve um ministério apostólico seria um "arcanjo". Já decidi! Não quero ser apóstolo! O pouco que conheço sobre mim mesmo faz-me admitir, sem falsa humildade, que não eu teria condições espirituais de ser um deles. Além disso, não quero que minha ambição por sucesso ou prestígio, que é pecado, se transforme em choça.Admito que os apóstolos constam entre os cinco ministérios locais descritos pelo apóstolo Paulo em Efésios 4.11. Não há como negar que os apóstolos foram estabelecidos por Deus em primeiro lugar, antes dos profetas, mestres, operadores de milagres, dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas. Mas, resigno-me contente à minha simples posição de pastor. Já que nem todos são apóstolos, nem todos profetas, nem todos mestres ou operadores de milagres, como consta na epístola aos Coríntios 12.29, parece não haver demérito em ser um mero obreiro.Meus parcos conhecimentos do grego não me permitem grandes aventuras léxicas. Mas qualquer dicionário teológico serve para ajudar a entender o sentido neotestamentário do verbete "apóstolo" ou "apostolado". Usemos a Enciclopédia Histórico-Teológico da Igreja Cristã, das Edições Vida Nova: "O uso bíblico do termo "apóstolo" é quase inteiramente limiitado ao NT, onde ocorre setenta e nove vezes; dez vezes nos evangelhos, vinte e oito em Atos, trinta e oito nas epístolas e três no Apocalipse. Nossa palavra em Português, é uma transliteração da palavra grega apostolos, que é derivada de apostellein, enviar. Embora várias palavras com o significado de enviar sejam usadas no NT, expressando idéias como despachar, soltar, ou mandar embora, apostellein enfatiza os elementos da comissão - a autoridade de quem envia e a responsabilidade diante deste. Portanto, a rigor, um apóstolo é alguém enviado numa missão específica, na qual age com plena autoridade em favor de quem o enviou, e que presta contas a este".Jesus foi chamado de apóstolo em Hebreus 3.1. Ele falava os oráculos de Deus. Os doze discípulos mais próximos de Jesus, também receberam esse título. O número de apóstolos parecia fixo, porque fazia um paralelismo com as doze tribos de Israel. Jesus se referia a apenas doze tronos na era vindoura (Mateus 19.28; cf Ap 21.14). Depois da queda de Judas, e para que se cumprisse uma profecia, ao que parece, a igreja sentiu-se obrigada, no primeiro capítulo de Atos, a preencher esse número. Mas na história da igreja, não se tem conhecimento de esforços para selecionar novos apóstolos para suceder àqueles que morreram (Atos12.2). As exigências para que alguém se qualificasse ao apostolado, com o passar do tempo, não podiam mais se cumprir: "É necessário, pois, que, dos homens que nos acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós, começando no batismo de João, até ao dia em que dentre nós foi levado às alturas, um destes se torne testemunha conosco da sua ressurreição" (Atos 2.21-22).Portanto, alguns dos melhores exegetas do Novo Testamento concordam que as listas ministeriais de I Coríntios 12 e Efésios 4 referem-se exclusivamente aos primeiros e não a novos apóstolo.Há, entretanto, a peculiaridade do apostolado de Paulo. Uma exceção que confirma a regra. Na defesa de seu apostolado em I Coríntios 15.9, ele afirmou que foi testemunha da ressurreição (vira o Senhor na estrada de Damasco), mas reconhecia que era um abortivo (nascido fora de tempo). "Porque sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus" (15.10). O testemunho de mais de dois mil anos de história é que os apóstolos foram somente aqueles doze homens que andaram com Jesus e foram comissionados por ele para serem as colunas da igreja, comunidade espiritual de Deus.O que preocupa nos apóstolos pós-modernos é ainda mais grave. Tem a ver com a nossa natureza que cobiça o poder, que se encanta com títulos e que fez do sucesso uma filosofia ministerial. Há uma corrida frenética acontecendo nas igrejas de quem é o maior, quem está na vanguarda da revelação do Espírito Santo e quem ostenta a unção mais eficaz. Tanto que os que se afoitam ao título de apóstolo são os líderes de ministérios de grande visibilidade e que conseguem mobilizar enormes multidões. Possuem um perfil carismático, sabem lidar com massas e, infelizmente, são ricos.Não quero ser um apóstolo porque não desejo a vanguarda da revelação. Desejo ser fiel ao leito principal do cristianismo histórico. Não quero uma nova revelação que tenha sido desapercebida de Paulo, Pedro, Tiago ou Judas. Não quero ser apóstolo porque não quero me distanciar dos pastores simples, dos missionários sem glamour, das mulheres que oram nos círculos de oração e dos santos homens que me precederam e que não conheceram as tentações dos mega eventos, do culto espetáculo e da vã-glória da fama. Não quero ser apóstolo, porque não acho que precisemos de títulos para fazer a obra de Deus, especialmente quando eles nos conferem estatus. Aliás, estou disposto, inclusive a abrir mão de ser chamado, pastor, se isso representar uma graduação e não uma vocação ao serviço.Não desdenho as pessoas, sinto apenas um enorme pesar em perceber que a ambiência evangélica conspira para que homens de Deus sintam-se tão atraídos a ostentação de títulos, cargos e posições. Embriagados com a exuberância de suas próprias palavras, crentes que são especiais, aceitam os aplausos que vêm dos homens e se esquecem que não foi esse o espírito que norteou o ministério de Jesus de Nazaré.Ele nos ensinou a não cobiçar títulos e a não aceitar as lisonjas humanas. Quando um jovem rico o saudou com um "Bom Mestre", rejeitou a interpelação: "Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão um, que é Deus" (Mc 10.17-18). A mãe de Tiago e João pediu um lugar especial para os seus filhos. Jesus aproveitou o mal estar causado, para ensinar: "Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos" (Mateus 20.25-28). Os pastores estão se esquecendo do principal. Não fomos chamados para termos ministérios bem sucedidos, mas para continuarmos o ministério de Jesus, amigo dos pecadores, compassivo com os pobres e identificado com as dores das viúvas e dos órfãos. Ser pastor não é acumular conquistas acadêmicas, não é conhecer políticos poderosos, não é ser um gerente de grandes empresas religiosas, não é pertencer aos altos graus das hierarquias religiosas. Pastorear é conhecer e vivenciar a intimidade de Deus com integridade. Pastorear é caminhar ao lado da família que acaba de enterrar um filho prematuramente e que precisa experimentar o consolo do Espírito Santo. Pastorear é ser fiel à todo o conselho de Deus; é ensinar ao povo a meditar na Palavra de Deus. Ser pastor é amar os perdidos com o mesmo amor com que Deus os ama.Pastores, não queiram ser apóstolos, mas busquem o secreto da oração. Não ambicionem ter mega igrejas, busquem ser achados despenseiros fieis dos mistérios de Deus. Não se encantem com o brilho deste mundo, busquem ser apenas serviçais. Não alicercem seus ministérios sobre o ineditismo, busquem manejar bem a palavra da verdade; aquela mesma que Timóteo ouviu de Paulo e que deveria transmitir a homens fieis e idôneos que por sua vez instruiriam a outros. Pastores, não permitam que os seus cultos se transformem em shows. Não alimentem a natureza terrena e pecaminosa das pessoas, preguem a mensagem do Calvário.Santo Agostinho afirmou: "O orgulho transformou anjos em demônios". Se quisermos nos parecer com Jesus, sigamos o conselho de Paulo aos filipenses: "Tende o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz" (2.5-8).

Soli Deo Gloria -----------------------------------

fonte: http://www.executivaipb.com.br/Controversias/visualiza_artigos.asp?Cod=2